Nadja Nara Barbosa Pinheiro e Maria Vitória Campos Mamede Maia
Há 100 anos atrás, o mundo freudiano passava por um momento bastante similar ao atual ao enfrentar os efeitos emocionais aterrorizantes tanto da pandemia de gripe espanhola quanto da primeira guerra mundial. Em seu artigo, “O estranho”, Freud (1919/1986) define que aquilo que nos acomete subitamente, provocando uma inquietante estranheza, refere-se a vivências arcaicas relativas ao momento primitivo do desamparo. Para lidar com esse ‘estranho/familiar’, lança mão de um expediente arriscado e, tal como um arqueólogo, procurará, a partir dos fragmentos ofertados por seus pacientes, construir um passado arcaico que não tivera seu registro efetuado no campo simbólico do inconsciente. Winnicott, anos depois, percebe a necessidade de que o analista produza um trabalho ainda mais basal para que as construções em análise possam ser efetuadas. Em sua opinião, tal como a mãe, o analista deve, com sua presença viva, sustentar (holding) os movimentos primitivos de seus pacientes em prol de permitir que alcancem novos princípios de viver a partir dos quais o encontro com o traumático não os enderece ao vazio, ao terror, à desesperança. Um caso clínico, no qual a paciente se dá conta do quanto não pode ver o que lá estava, desenvolvendo um quadro boderline. será utilizado objetivando ilustrar esse percurso.