EIXO: 1 – Ambiente e Holding no desenvolvimento humano

A heterodependencia é fundamental na Natureza Humana, pois desde o início da vida há necessidade de dependência de cuidados contínuo ao longo da vida. Este aspecto existencial fundante se baseia na presença da mãe como suporte para o desenvolvimento do bebê saudável e para o enriquecimento das relações interpessoais do bebê.

Winnicott vislumbra um espaço potencial que não exclui as ameaças, instabilidades e angústias impensáveis da vida humana, com as quais todos nos deparamos enquanto vivemos. Os bebês menos afortunados aos quais ao mundo foi apresentado de uma maneira confusa, ficam aflitos com menos capacidade de ilusão de contato, porque não há contato direto, há uma ameaça constante de perda da capacidade de se relacionar ou então sua capacidade é tão frágil que facilmente se quebra em um momento de frustração. Esta dinâmica apresenta um modelo de esterilidade, onde não é possível fertilizar, ir adiante.

Apresentarei o questionamento do holding materno no aspecto da sua incondicionalidade na unidade mãe-filho a partir de um filme recente “A filha perdida”. Neste se apresenta o impasse na contemporaneidade desta relação fundante e considerada sagrada e se questiona como ela está sendo afetada.

O filme “A filha perdida” baseado no livro de Elena Ferrante e dirigido por Maggie Gyllenhaal expressa sensualidade na paisagem, no corpo em diferentes formas. Adentrando uma pousada em uma ilha idílica na Grécia, Leda uma professora universitária solitária vai passar férias acompanhada de seus inúmeros livros. Ela descreve sua mãe dura com amargura, cansada e brava tendo a sombra dos pais que cada um tem dentro de si. Existe fúria, comportamentos regressivos, ou tentativas de repetir um comportamento para poder elaborar o abandono, contrastando no lugar com uma família extensa onde há uma mãe com uma criança numa relação nirvarnica.

Vários episódios acontecem que demonstram que a personagem Leda fica confusa com o contato afetivo e de mutualidade espontânea. A única que ela consegue contato é com Nina mãe de uma criança de 2 anos.

O evento crucial dentro do filme; a perda da menina na praia com a angústia de todos procurarem por ela e a trama da boneca, no qual Leda não se identifica com o sentimento de dor da criança, nem com o grupo que vê a criança desolada que não deixa ninguém dormir com febre pela perda da boneca.

Leda encontra a boneca na bolsa e mostra uma ambiguidade de como chegou lá. Ela fica com a boneca e recupera um sentimento estético muito grande que ela perdeu e não suportou rever na experiencia narcísica do sentimento estético entre a Nina e sua filha. Ela rouba a boneca, vira criança. Ela guarda a boneca no armário, como um senso de perigo. Expõe ela, cuida da boneca quebrada/esfacelada dentro dela e que que ela jogou no lixo, é um objeto de conforto. Também ela expõe a boneca quando o zelador aparece, perdendo o senso de perigo.

Vemos a perda e ruptura da mutualidade necessária para o encontro – estranheza quando está com os outros. A Leda não é uma pessoa feliz, ela é uma solitária que se sente em desconforto frente ao grupo unido, na relações eróticas, e se propõe a um esnobismo intelectual que remete a sua origem. Neste modelo precisa construir um ambiente de realização que fracassa. Busca esse modelo de falsa autossuficiência acompanhado de uma sensação de perigo desconforto e vulnerabilidade. Uma inquietação que se transforma numa falsa tranquilidade.

O risco da banalização da necessidade de dependência é de uma violência ilimitada. A condição humana é fundante no holding, afetividade quando está se distancia do nosso centro existencial, a banalidade do ser se torna uma violência.

Yvette Piha Lehman
Psicanalista – Membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Professora Titular da USP Departamento de Psicologia Social e do Trabalho. Participa do programa de Pós-Graduação do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho. Coordenou o Serviço de Orientação Profissional da USP e o Laboratório de Estudos sobre Trabalho e Orientação Profissional. Publicações sobre adolescentes. Atendimento em Clínica particular.