Carta aberta aos participantes
CARTA ABERTA AOS PARTICIPANTES DO XVI ENCONTRO BRASILEIRO SOBRE O PENSAMENTO DE D.W. WINNICOTT
Nossos companheiros mineiros abrem seus braços e janelas para o XVI ENCONTRO BRASILEIRO. Só não poderão abrir as portas, porque, mais uma vez, em função da pandemia, nosso Encontro acontecerá, apenas, através das janelas virtuais. Assim, Carlos Drummond de Andrade justificaria o porquê desta modalidade do Encontro: “tinha uma pedra no meio do caminho. No meio do caminho, tinha uma pedra.” Uai! Mas a criatividade mineira sabe muito bem como contornar as pedras colocadas no caminho. As dificuldades e as agruras, mas sobretudo, a generosidade de seu povo, ensinaram ao mineiro como viver criativamente. Sobre isso (“viver criativamente”) já preconizara Winnicott. Que bom, nosso Encontro está garantido.
Iremos, sem dúvida! Afinal, desde os primeiros Encontros, escolhemos nos encontrar, seja como for. Não há desculpa. “Quem elegeu a busca, não pode recusar a travessia.” (Guimarães Rosa).
Então, vamos combinar: iremos todos de trem. Celular, computador, qualquer um desses trens, serve. Os trilhos mágicos das Minas Gerais, sempre nos levam ao lugar aprazado.
E lá vai nossa locomotiva, com seu sonoro apito, piuííí, piuííí, como se estivesse a clamar: “me dê um abraço, venha me apertar, tô chegando” (Milton Nascimento e Fernando Brant).
Minas completo é uma grande Estação, onde em suas plataformas podemos encontrar todo tipo de gente, inclusive aquele que quer “chegar pra ficar”. Como aconteceu com ele mesmo, o carioca Milton Nascimento. Bituca foi tão bem adotado, que muitos pensam que ele é mineiro. Ele não é, mas é como se fosse. Trata-se da irremediável metamorfose a quem se entrega por inteiro ao acolhimento do ambiente e do holding mineiros.
Fico a imaginar que desde a primeira reunião para decidir sobre a escolha do tema do XVI ENCONTRO, os membros da Comissão Organizadora, se entreolharam, em silêncio, e decidiram por unanimidade: AMBIENTE E HOLDING. Foi quase uníssono. Estava no DNA de cada um. Dentro desse clima de confraternização afetiva, os membros da Comissão seguiram a trabalhar, em silêncio, claro. Pois é sabido que é assim que o mineiro trabalha. Gosto de pensar que o inconsciente é mineiro, pois, também trabalha em silêncio. Além disso, ao se mostrar, cuida para ser bem peculiar. Sendo assim, será um sucesso o nosso Encontro. Pois se há algo inconteste à mineiridade, é a sua peculiaridade.
Acertado que o Encontro se dará pelas janelas, seria recomendado recorrer à bela poeta Adélia Prado, para nos agraciar com sua sapiência poética. Assim nos alegaria Adélia: “Janela, palavra linda, é o bater asas da borboleta amarela. Abre pra fora as duas folhas de madeira à toa pintadas. Eu pulo você pra dentro e pra fora. Monto cavalo em você. Janela sobre o mundo aberta. Claraboia na minha alma. Olho no meu coração”.
Fiquemos tranquilos, pois com as janelas nossos anfitriões gozam de íntima afinidade. Convivem desde temprano com elas. As moças da “terrinha” que irão participar do Encontro se sentirão em casa, literalmente. E as moças de outros estados, não se preocupem. Podem ficar à janela, a observar o que se passa, ou, se quiserem, podem tecer comentários. Estou a me referir às bonecas namoradeiras, orgulho do artesanato, geralmente em cerâmica, mineiro. Quanto aos rapazes, surpreendam-se, a vastidão abrangente da arte mineira reservou um lugar para vocês à janela. A sensibilidade de Lô Borges e Milton Nascimento, contemplou a todos com a canção Paisagem da Janela. Óbvio que com visual diferente, pois, nesse caso, trata-se da janela lateral do quarto de dormir. São outros mistérios.
Winnicott nos lembra que a necessidade antecede o desejo. Estaremos a nos comunicar pelas janelas por pura necessidade. Claro que vai valer muito a pena. Mas o desejo mesmo é que esse Encontro pudesse ser presencial. Como seria bom estarmosjuntos. Conviver com todos no tête-à-tête e/ou em grupos, principalmente na presença de nossos anfitriões. Temos muito o que aprender com eles. É sentir na prática do convívio, o que os palestrantes estarão a teorizar nas mesas. É deleitar-se com o sotaque considerado o mais bonito do Brasil. É esticar uma prosa com a sonoridade melódica desse sotaque. É bão por demais da conta.
É de se admirar e se orgulhar com a singularidade dos nossos companheiros das Minas. Ela tem fundamento. Está calcada na fidelidade de sua gente à tradição da sua história, da sua arte, da sua cultura. Tudo isso a fazer eco com o pensamento do mestre Winnicott: “só podemos ser originais, seguindo a tradição”. Curiosamente atribuímos ao seu povo a fama de conservador. Mas, na verdade, lá está em sua bandeira: “LIBERTAS QUAE SERA TAMEN” (liberdade ainda que tardia) que é o lema da Inconfidência Mineira. Essa é a Minas de Tiradentes, o nosso alferes Joaquim José da Silva Xavier. Mas, a insurreição não se concretizou porque “tinha uma pedra no meio do caminho”, o traidor português Silvério dos Reis, com seu coração de pedra.
Os sicários de plantão, se apropriaram de suas riquezas minerais, poluíram seus rios, contaminaram flora e fauna, mataram seus peixes (” como pode o peixe vivo viver fora da água fria?”), haja vista a recente e enorme tragédia do Rio Doce. Mas Minas resiste e sobrevive sempre. “Minas são muitas”, nos garante Guimarães Rosa. Lá estão suas montanhas a verdejar o esperançar. Lá estão suas cachoeiras, tricotadas em véus, a deslumbrar a todos. Lá está sua gente, desconfiada, e não sem razão, mas acolhedora e sóbria em dignidade. Se Drummond pudesse ler essa missiva e me perguntasse: “e agora José?” Eu lhe diria: -querido e saudoso poeta, Minas tem o que precisa. E, evocaria, outra vez, Milton e Fernando Brant: “É preciso ter manha. É preciso ter graça. É preciso ter sonho, sempre. Quem traz na pele essa marca, possui a estranha mania de ter fé na vida”.
Já que não estaremos de corpo presente, temos muito a lamentar. Não poderemos aproveitar para dar uma esticada às cidades históricas com toda sua beleza serena, e às estâncias hidrominerais, tão saudosas na memória da infância de muitos de nós. Nesta carta, faltariam páginas para falar do que perderemos em termos da supimpa culinária mineira. Só em escrever essa linha, a água me vem à boca. Não teremos nem o desmedido prazer, de degustar, nos intervalos das palestras, a mais autêntica prova de amor dos nossos anfitriões: oferecer um cafezinho passado na hora, com um saboroso pão de queijo, saidinho do forno. Disso tudo nos fala a fantástica poeta mineira, Conceição Evaristo, que vive no Rio de Janeiro, em seu poema MINEIRIDADE: “É duro. É triste ficar aqui, com tanta mineiridade no peito.” Isso expressa com sincera, profunda, e sofrida delicadeza, tudo o que eu quero dizer nessa missiva.
E assim, alvoreceu: Oh, Minas Gerais! Quem te conhece não esquece jamais.
Para finalizar, fico a devanear o encerramento do XVI ENCONTRO ao som da emocionante canção, mineiríssima, Encontros e Despedidas.
José Guedes